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Série Casos do Alto Paraopeba: Maria Damas, a congonhense que foi lavadeira de Getúlio Vargas


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Natália Coelho
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Publicado em: 16/07/2023 - 10:20

 

Maria Damas de Lima nasceu em Congonhas do Campo, onde foi batizada em 29 de junho de 1854. Poucos anos depois, por motivos desconhecidos, mudou-se para Vila Rica, hoje Ouro Preto, então capital da Província de Minas Gerais, local em que passou a trabalhar como lavadeira.

Na Imperial Vila Rica, dona Damas foi testemunha ocular de importantes efemérides da história do Brasil, como a Guerra do Paraguai (1864/1870). “Me lembro muito da guerra contra o Paraguai. Foi um tempo triste. Os voluntários seguiam para as fronteiras. E quem fosse chamado e não atendesse a convocação era preso, algemado, com uma corrente que ligava pescoço, mãos e pés”, contava. “Quantas vezes, à meia-noite, eu ia levar comida para os insubmissos escondidos no mato. Um padrinho meu foi até o Paraguai. Muita gente se queixava”. Dona de memória privilegiada, ela recordava-se dos versos cantados pelos moradores de Ouro Preto durante a beligerância:

 

Ah, meu Deus, tenha piedade!

Choram as mães os seus filhos

As mulheres, os seus maridos

As irmãs, os seus irmãos

E as madames os seus queridos.

 

Em 1881, Dom Pedro II visitou Ouro Preto, ocasião em que a lavadeira o conheceu. O fato a marcaria por toda vida. “Uma vez, ele me saudou numa rua de Ouro Preto. Imagine, moço. Eu, dona Maria Damas, saudada por um imperador!”, afirmou Maria Damas ao repórter de O Cruzeiro. Outro momento festivo vivido pela congonhense foi durante a abolição da escravatura em 1888: “Em Ouro Preto, o vigário Santana, muito estimado na cidade, deu as cartas de alforria aos negros na porta da Matriz. Houve muita festa, com danças e bebedeiras, por vários dias”.

Durante aproximadamente 40 anos, Maria Damas viveu na cidade trabalhando sempre como lavadeira de estudantes de diversas repúblicas.

Em 1897, o jovem gaúcho Getúlio Vargas chegou à Ouro Preto, tendo se matriculado no Ginásio Mineiro, instituição na qual faria um curso preparatório para ingressar na famosa Escola de Minas.

Os irmãos do garoto Getúlio, Viriato e Prostásio, já moravam em Ouro Preto, onde cursavam, respectivamente, Farmácia e Engenharia. Na cidade, fundaram uma república estudantil, no chamado Campo do Raimundo, bairro da Água Limpa, onde o irmão recém-chegado foi morar. “Eles moravam numa república na Rua da Estação. Era um sobrado de varanda de ferro, de propriedade do capitão Albergaria”, relembrava Maria Damas de Lima.

Como já era lavadeira de Viriato e Protásio, irmãos do futuro ditador, Damas passou a cuidar das roupas de Getúlio. “Buscava a roupa na sexta-feira. Entregava no sábado. Lavava e passava. Eram peças de boa qualidade”, contava orgulhosa. “Nunca recebi um pito, pois sempre fui cuidadosa. Seu Getúlio era bom rapaz. Educado, bom pagador”. Segundo ela, o jovem era muito sério, gostava de roupas escuras e não curtia brincadeiras na rua.

Infelizmente, a estadia do jovem em Ouro Preto foi interrompida por causa de uma ocorrência cheia de controvérsias. Pouco tempo após a chegada de Getúlio, ele e seus irmãos se envolveram numa briga entre grupos de estudantes paulistas e gaúchos, rivais históricos, que resultou na morte do estudante paulistano Carlos de Almeida Prado Júnior em 7 de junho de 1897.

O acontecimento, detalhadamente descrito e documentado por Lira Neto no livro Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930), precipitou a volta de Getúlio que foi declarado isento de culpa e de seus irmãos para o Rio Grande do Sul.

Porém, antes de partir, resolveu presentear a lavadeira. Na ocasião, Maria Damas recebeu presentes que foram guardados por ela durante décadas. “Quando fecharam a república, seu Getúlio me deu uma terrina e uma chaleira que ainda estão em meu poder”, revelaria ela cinquenta anos depois.

No início do século XX, Maria Damas mudou-se para Belo Horizonte (BH). Em 1903, na nova capital de Minas, casou-se com o paraibano Sinézio de Souza Lima, funcionário da Imprensa Oficial de Minas Gerais. O casal teve um filho chamado Francisco Cordeiro, falecido precocemente, do qual não sabemos se era legítimo ou adotivo. Após a morte do esposo em 1938, Damas passou a receber pensão do Estado, mas logo enfrentou dificuldades, pois esta era insuficiente para cobrir as despesas. “Está, portanto, só neste mundo de Deus e na miséria, contando felizmente com a bondade de algumas pessoas caridosas que procuram minorar seus sofrimentos e sua solidão”, escreveu a Revista da Semana.

Em 1940, Maria Damas morava num quartinho nos fundos da casa do senhor Modesto Ferraz, na Rua Montes Claros, número 226, bairro do Carmo, em BH.

Em 1952, quando Maria Damas contava 98 anos, Getúlio Vargas havia voltado à Presidência da República, agora democraticamente. Nesse ano, a imprensa nacional publicou diversas matérias sobre a lavadeira celebrando, erroneamente, o centenário de seu nascimento que ocorreria em 1954. O jornal Correio da Manhã foi um deles, com a seguinte manchete: “Faz 100 anos a lavadeira da república de Getúlio Vargas em Ouro Preto”. Na ocasião, a congonhense foi entrevistada por veículos, como a revista O Cruzeiro que publicou a matéria “Maria Damas, a lavadeira de Getúlio” e pela Revista da Semana em “A lavadeira do estudante Getúlio Vargas”. Por fim, na esperança de que o então presidente da república se recordasse dela, em entrevista ao O Cruzeiro, a congonhense finalizou: “Meu filho, escreve uma carta para mim a Seu Getúlio. Se ele souber como está vivendo a sua velha lavadeira de Ouro Preto, na certa dará um jeito de me socorrer. Tem um coração grande”. E arrematou: “Será que Seu Getúlio se ‘alembra’ de mim?”.

Infelizmente, não conseguimos apurar informações sobre o falecimento de Maria Damas, figura ilustre desconhecida por muitos congonhenses. Todavia, neste pequeno artigo biográfico, procuramos, ao apresentar a vida dela aos leitores, exaltar sua memória por meio de sua inesquecível história. Esteja em paz, Maria Damas!

 

Paulo Henrique de Lima Pereira

Diretor da Biblioteca Pública Municipal Djalma Andrade, membro da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette (ACLCL), do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas (IHGC) e da Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas (ACLAC)

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