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“Queluz de Minas”: a cidade que nunca existiu
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Publicado em: 08/07/2011 - 17:15
Aproximadamente em 1690, portugueses em busca de ouro e pedras preciosas estabeleceram-se onde está a cidade de Conselheiro Lafaiete. A região já era habitada pelos índios carijós que para aqui vieram fugindo da escravidão que tomava corpo na Baixada Fluminense. Com a descoberta de ouro nas proximidades do lugar, o crescimento foi inevitável. Sua colonização antecede a de Mariana (1ª capital) e a de Ouro Preto. Pouco após a chegada dos portugueses, a localidade passou a ser chamada de “Campo Alegre dos Carijós” (1.690).
Com a construção de uma igreja, o lugar recebeu o nome (dado pelo próprio povo) de “Arraial de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre dos Carijós”. Em 1709, o nome ficou sendo “Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre dos Carijós”, instituída canonicamente a paróquia. No ano de 1790, a denominação foi de “Real Villa de Queluz”. E, em 1866, pela Lei Provincial nº 1.276, de 02 de janeiro de 1.866: “Art. 1º- Fica a ‘Real Villa de Queluz’ elevada à cidade, conservando-se o mesmo nome (Queluz - não mais Real Villa)”. O presidente da província era o doutor Joaquim Saldanha Marinho. Em 1934, o decreto estadual nº 11.274 deu à cidade, ao município e à comarca de Queluz, a denominação de Conselheiro Lafaiete.
Esses dados fazem parte do pequeno livro de autoria do museólogo Antônio L. Perdigão, editado para as comemorações do bicentenário de Conselheiro Lafaiete, intitulado “Calendário Histórico da Cidade de Conselheiro Lafaiete”. Na última página, aparece o antigo mapa da província de Minas Gerais. No local da atual Lafaiete, o nome é: Queluz - somente Queluz. Em nenhuma citação existe referência ao nome “Queluz de Minas”. E por que não? Porque em nenhum momento a cidade oficialmente recebeu esse nome.
Antes de entrarmos no contexto do porque da falha e do que existe na evoluída cidade de Queluz, do estado de São Paulo, que poderia dar uma luz para o caso, vamos apresentar uma parte da minuciosa e prolongada pesquisa, feita para esclarecer os mais céticos leitores. E, antes de mais esclarecimentos, não podemos deixar de citar que a palavra “Real” obrigatoriamente vinha antes de qualquer outra, por exigência da lei. Assim, nunca: Villa Real, mas sempre Real Villa.
Na internet, vamos encontrar: www.queluzdeminas.com.br, assinado por Eneida C. G., que apresenta um longo e excelente trabalho sobre a história de Conselheiro Lafaiete.
Vejamos alguns trechos:
“Bem vindo! Este site conta a história da antiga Queluz de Minas, que chegou a ocupar um território equivalente a 22 cidades mineiras...”
“Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil settecentos e noventa, aos dezenove dias do mez de setembro nesta Real Villa de Queluz”.
Continuando, lê-se:
“... e as vistas das reais ordens foi criar... e assim também a Freguesia de Carijós em Real Villa de Queluz, e a Igreja Nova com a denominação de Villa Barbacena...”
Mais abaixo, encontramos:
“... 07/09/1923- Lei 843- Criação do Município de Carandhay, com desmembramento dos territórios de Capela Nova das Dores e Caranahyba, do município de Queluz.
28/03/1934- Dec. Lei Estadual 11274 deu a denominação de Conselheiro Lafaiete à cidade, comarca e município de Queluz”.
No site também consta:
“Outras fontes
- No tempo de D. Afonso IV já existia Queluz (em Portugal) ... porque no Archivo Histórico Portuguez, vol III ... vem uma sentença que diz... no Brazil, há a Villa de Queluz no Estado de São Paulo, próxima da cidade de Areias e a cidade de Queluz, no estado de Minas Gerais...”
“- Cópia do Auto de Levantamento de Pelourinho na Real Villa de Queluz”
“-Origem do nome da Real Villa de Queluz- no archivo...”
Em nenhuma citação oficial aparece “Queluz de Minas”, somente quando o nome é citado no transcorrer do ótimo trabalho de Eneida C. G.
No livro de José Damaceno Pinto, “Subsídios para a História de ex-Queluz de Minas - hoje Conselheiro Lafaiete”, encontramos na página 31:
“...os carijoenses não poderiam estar plenamente satisfeitos com a instituição da Real Villa de Queluz (sem o de Minas).
Já na página 35:
“... a Câmara beija as mãos de Vossa Majestade... afirma de novo seu amor, a sua firmeza... Real Villa de Queluz, 27 de fevereiro de 1831 (quando da passagem de Dom Pedro I por Queluz).
Romeu Guimarães de Albuquerque comenta em seu livro “Apontamentos para a história da cidade de Conselheiro Lafaiete”: (pág. 17) ...“No dia 22 de maio de 1894 deu-se um fato auspicioso para esta terra: era distribuído na cidade o primeiro jornal publicado no município: “O Hóspede”. Depois passou a se chamar Queluz de Minas... (esta é talvez a primeira aparição do complemento “de Minas”. Após o nome Queluz - 22 anos antes – 1866 - a Villa de Queluz havia recebido o título de cidade, permanecendo o mesmo nome “Queluz”- nem Real, nem Villa, nem de Minas.
“...o jornal do qual era proprietário e diretor - o Queluz de Minas - cessou a publicação”.
No Jornal Queluz de Minas - anno I- 18/12/1894, encontramos na página 2: “Os abaixo assignados communicam ... teem reduzido os preços dos gêneros existentes em seu negócio. Pedem aos freguezes em débito virem satisfazer a importância de suas contas”.
Atenção: o nome do jornal era “Queluz de Minas”, mas como em todos os jornais, logo abaixo vinha o nome da cidade-sede: “Queluz” (veja na foto).
O nome do jornal era apenas o de fantasia, pseudônimo. Tanto verdade que logo a seguir se lê: “...resolveram fundar a Gazeta de Queluz (sem a complementação de Minas).
O nome da cidade-sede, como no jornal anterior, continuou Queluz, ou seja, um simples pseudônimo de um jornal mudou em grande parte o nome de uma cidade. É o poder da imprensa. Na página 22 da citada obra de Romeu Guimarães um fato marcante:
Dirigindo-se a um grande amigo, “... o Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira recomenda-lhe que viesse para a sua terra natal- Queluz...”
No Archivo Público Mineiro conta, conforme documentação:
“...habitantes da Villa de Queluz: escravos 1621...”, distrito da Villa de Queluz, 19 de outubro de 1831.
Nos cartórios Vianna e no Registro Imóveis 1º Ofício, consta do livro de Registro de 28/05/1878: “Comarca de Queluz”. Nos mesmos cartórios existem dois mapas, sendo o menor de 1920 e o outro de 1930 - Comissão Geográfica e Geologia de Minas Gerais- órgão oficial do Governo de Minas Gerais. Nos mapas o nome da cidade é Queluz. As divisas do município de Queluz são com Barbacena, Lagoa Dourada, Entre Rios, Ouro Preto, Piranga, Rio Espera.
Queluz possuía 11 distritos, com 54.868 habitantes, sendo 16.474 na cidade (1920). Em nenhum local é citado Queluz de Minas. No tapume colocado em torno da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, durante reforma (2011), entre outras informações foi colocada esta:
“Em 1881, Dom Pedro II visitou nossa cidade que, à época, chamava-se Queluz”.
Em 2010 a Secretaria de Cultura de Conselheiro Lafaiete distribuiu uma revista histórica relatando a importância da cidade nos acontecimentos da Conjuração Mineira. Nela aparecem antigos mapas com a localização de Queluz (sem “de Minas”).
Por que casas comerciais, indústrias, hotel, hospital, etc. (os mais antigos) não usaram após o nome Queluz o falso complemento “de Minas”? Vejamos alguns exemplos: Hospital Queluz, Violas de Queluz, Praça Barão de Queluz, Hotel Queluz (Ouro Branco), Vidros Queluz, Loja Maçônica Estrela de Queluz. No centro da rua Barão de Coromandel (no alto) há uma antiga tampa de bueiro na qual está gravado o nome Queluz. Ou seja, fica confirmado que o nome Queluz de Minas nunca existiu oficialmente. Apenas um mal aproveitamento do título de um jornal de 1894, infelizmente.
Pesquisas rompem a barreira do estado
Mas tínhamos uma missão a cumprir: visitar a cidade de Queluz, em São Paulo. Lá fomos nós, no dia 15 de junho deste ano. Da ex-Queluz à também antiga Queluz (São Paulo) levamos seis horas de ônibus. Linda cidade, limpa, bem cuidada e com aquele gostoso detalhe: cortada, literalmente, por um grande rio - bem limpo - o Paraíba do Sul. A região foi a maior produtora de café no século XIX. Foi elevada a “Villa de São João Baptista de Queluz” em 2 de setembro de 1845.
Visitamos a prefeitura e fomos para o Centro Cultural Malba Tahan. O nome é uma homenagem ao grande escritor que, ainda criança, com a mudança da família para a cidade, ali foi criado. Fomos recebidos por Carla Fontanini e Juliana Mendes, esta responsável pelo museu. Todas muito gentis e cultas. Carla informou-se detalhes da cidade em razão do nome - o mesmo do antigo nome de Lafaiete: homenagem ao palácio de Portugal. Fomos até a vitrine onde estão antigos jornais. Lá estava a resposta para nossas dúvidas: “Jornal de Queluz” folha imparcial. Anno III- nº 28 - Queluz de São Paulo- 7 de março de 1880.
Por que no local do nome da sede do jornal teriam colocado uma referência ao estado de São Paulo? É perfeitamente entendível: para evitar qualquer vinculação com a cidade de Queluz no estado de Minas que, por ser mais antiga, nunca teria precisão de citar “de Minas”.
Missão cumprida. Queluz de São Paulo faz divisa com o estado de Minas Gerais e possui, atualmente, 12 mil habitantes. Por uma casualidade, deparamos com uma antiga certidão de casamento: - Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana - certidão de casamento arcebispado de Mariana...
“A 1 de abril de 1883, perante ... se receberão em matrimônio Pietro Bellavigna (italiano) e D. Joanna Canuto de Siqueira. Vigário: João José do Carmo. Queluz - freguesia de Nossa Senhora da Conceição”. – Queluz - sem o de Minas.
Agradecimentos
Prefeitura Municipal de Queluz (SP)
Prefeito José Celso Bueno
Vice-prefeito, Laurindo Garcez.
Juliana Mendes – Centro Cultural Malba Tahan
Historiadora Carla Fontanini - Sebrae
Eulália Maria A. P. Furtado Mendonça Souza – Cartório do 1° Ofício Registro de Imóveis
Maria Patrícia Vianna – Cartório 2° Ofício de Notas
Biblioteca Antônio Perdigão – Museu e Arquivo da Cidade, diretor Célio Brás de Souza Faria e funcionárias.
Em especial: Antônio Luiz Perdigão (in memorian)
João Bellavinha
Escritor