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Presidente acumula mais de R$2,6 milhões em prejuízo e transporte coletivo entra em colapso em Lafaiete
Divulgação
Publicado em: 19/02/2019 - 17:34
Acumulando um prejuízo anual de mais de R$2,6 milhões, o transporte público de Lafaiete segue à beira de um colapso e a atual empresa pode até deixar de operar na cidade. Segundo informações obtidas com exclusividade pelo Jornal CORREIO, as despesas mensais da empresa têm superado a receita, acumulando um prejuízo mensal de R$216.203,00. Só para se ter uma ideia, o valor acumulado em déficit nos últimos 12 meses seria o suficiente para adquirir oito ônibus novos. De acordo com o gerente da empresa, Luiz Carlos Gomes Beato Sobrinho, são vários os fatores que ajudam a construir um cenário caótico. Um deles é a defasagem da tarifa. “A título de exemplo, entre 2010 e 2018, o salário mínimo foi de R$510 para R$954, o que representa um reajuste de 87,06%. No mesmo período – de 2010 a 2018 – a passagem foi de R$2,60 para R$3, ou seja, 15,40%”, pondera.
Outro fator de impacto nas finanças da empresa, citado por Beato, é o índice de gratuidade, considerado muito alto: 37,70% dos passageiros que circulam todos os dias pela cidade têm esse benefício. Colocando na ponta do lápis, representam 179.104 dos 475 mil passageiros transportados todo mês ou 2.149.244 dos quase 5,7 milhões ao ano. São números muito superiores aos de Aracaju (SE), por exemplo, que trabalha com um índice de gratuidade na casa dos 21%. Brasília (19,7%), Rio de Janeiro (17,25%) e Fortaleza (10,8%) chegam a ter taxas bem mais baixas. “No há outro jeito, a não ser dissolver esse custo no preço da passagem. Esse é o sistema adotado não só em Lafaiete, mas em todo o país. Parte da tarifa vem, exatamente, dessa fatia de gratuidade”, explica Luiz Beato.
Tarifa ideal seria de R$5,46
Para compor a tarifa, a empresa possui uma base de cálculo, que considera os custos de operação e até exigências contratuais, que, somadas, fazem com que o valor que precisa ser cobrado para manter os números em equilíbrio seja de R$5,46: “A empresa precisa investir em um sistema de reconhecimento fácil, para reduzir as fraudes em gratuidade (R$300mil), adquirir e regularizar 30 ônibus (R$10.800.000,00), conceder, em março, um aumento de 6% aos funcionários. Além disso, trabalha com um prejuízo mensal da ordem de R$216.203,00 e uma taxa de gratuidade que gera um impacto anual superior a meio milhão de reais. Por esses, e vários outros custos, a atual tarifa de R$3 é totalmente inviável”, considera Luiz Carlos.
Caso a empresa não consiga ter aprovado um reajuste viável, a tendência é que ela opte por não mais operar na cidade. “Nenhuma empresa consegue se manter no ramo acumulando tamanho prejuízo. Com o atual preço da tarifa, é impossível manter os serviços”, adianta Beato. O reajuste já começou a ser discutido e, segundo fontes ouvidas pelo Jornal CORREIO, é pouco provável que a tarifa ideal seja aprovada. “Vai ser preciso aprovar um preço justo, ou a Presidente vai deixar a cidade. E isso seria mesmo o caos. Até por que nenhuma outra empresa poderia operar com uma tarifa dessas. Financeiramente, não dá. Então, se ela realmente deixar a cidade, milhares de pessoas serão prejudicadas e ficarão sem transporte, até a próxima empresa chegar e colocar o preço que ela fixar como justo”, afirmou um consultor financeiro, que pediu sigilo sobre seu nome.
- Confira, nas próximas edições, opiniões de autoridades e de usuários do sistema de transporte público, as cobranças e soluções propostas.
Panorama nacional
A situação do transporte público não é alarmante apenas em Lafaiete. Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em agosto de 2018, o presidente-executivo da Associação Nacional de Empresas de Transporte Urbano (NTU), Otávio Vieira da Cunha Filho, alertou que a falência do sistema de transporte público por ônibus no Brasil está prestes a se tornar realidade. “Indicadores de perda de passageiros, de endividamento e de fechamento de empresas, além da visível deterioração da qualidade dos serviços prestados, são sinais evidentes desse lamentável processo que avançou sobre o setor”, afirma.
Ao citar o que classifica de tragédia anunciada, Otávio Vieira da Cunha Filho cita como um dos fatores para o quadro a atual política do governo federal, que incentiva a propriedade e o uso de automóveis. “O cidadão que depende do transporte coletivo para os deslocamentos diários passou a ser duplamente penalizado. Há um crescimento vertiginoso dos congestionamentos urbanos e essa perda de produtividade dos ônibus ainda representa acréscimo de até 25% no preço das passagens. O passageiro tem que arcar com custos altos e ainda conviver com deslocamentos precários, sem conforto e sem garantias de chegar aos compromissos em tempo hábil”.
De acordo com o levantamento da NTU, desde meados de 1990 o setor vem perdendo qualidade e desempenho, em virtude, justamente, do incentivo ao transporte individual. Nos últimos anos, a situação se agravou, com sucessivas quedas no número de passageiros (25,9% no período de 2014 a 2017) e o severo endividamento de mais de 30% das empresas. 10% delas fecharam as portas entre 2014 e 2016.
Para Otávio Vieira da Cunha Filho, fatores como o acirramento da crise econômica, o represamento de tarifas e o consequente descumprimento dos contratos de concessão impulsionaram a degradação dessa atividade. Muitas propostas de melhorias feitas pelas empresas operadoras foram ignoradas pelo poder público: “A ideia de um Pacto Nacional pela Mobilidade Urbana não foi adiante, mesmo com o anúncio da implementação de projetos de melhoria na infraestrutura urbana – que hoje, de tão precária, é incompatível com o mínimo de qualidade exigida para esse transporte”.
Para deter a derrocada final, o setor elaborou o documento Carta de Brasília, enviado aos principais entes públicos ligados ao setor e aos então candidatos à presidência, para que fosse considerada na elaboração dos planos de governo. Essas propostas incluem o financiamento de parte dos custos operacionais do transporte coletivo pelo transporte individual; a retomada dos investimentos na infraestrutura urbana e a priorização do espaço destinado ao coletivo urbano; divulgação dos custos envolvidos na atividade para toda a sociedade; cobertura dos custos das gratuidades e de benefícios tarifários no transporte público por toda a sociedade, por meio dos orçamentos públicos, e não apenas pelos passageiros pagantes; entre outras.
Números
Os ônibus urbanos transportam, diariamente, cerca de 40 milhões de passageiros. As empresas do setor geram quase 500 mil empregos diretos.