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Altas médicas forçadas não podem autorizar penas de morte aos pacientes terminais
Dra. Maria Victória de Oliveira R. Nolasco
Advogada
OAB/MG 207.251
[email protected]
(31) 9 9431-5933
Publicado em: 19/06/2024 - 00:00 |
Começo fazendo uma reflexão.
Creio que muitas pessoas pensam que advocacia é sobre as discussões acaloradas, os júris midiáticos, sobre casos penais, mas advocacia é muito além disso.
E por vezes nos deparamos com casos extremamente delicados como o que irei relatar.
Pense o seguinte: de um dia para o outro você descobre que sua avó está com câncer em estágio avançado, o médico diz para você e sua família que não há mais nada que possa fazer para salvá-la, os dias delas já estão contados aqui na Terra.
Bom, diante tal notícia não lhe resta muito sentimentos senão a mais profunda tristeza e procurar forças para poder visitá-la no hospital, mas sem demonstrar qual será o fim daquela tão aflita situação.
Porém, no dia seguinte à trágica notícia, esse mesmo médico decide dar alta a sua avó.
Sem entender a situação, você o questiona se o quadro dela mudou, e a resposta é não. O médico te diz que o lugar dela morrer é em casa, pois ele, na profissão dele, “não interna a morte”.
Ainda mais abalado com toda a situação, você não sabe como deve proceder, pois sabe que em sua casa não terá os meios necessários para cuidar dela, como uma cama hospitalar, enfermeiras 24h à disposição, soro para hidratação ou medicamentos injetáveis para as fortíssimas dores que acometem sua avó.
No seu coração, você sabe que o “não internar a morte” dita pelo médico fará com que os últimos dias de vida de sua avó sejam mais curtos e mais dolorosos e te vem o pensamento: como podem liberar um paciente de alto risco e deixá-lo sem todos os procedimentos necessários para a manutenção de sua vida?
Neste momento crucial, torna-se indispensável contar com advogados, frequentemente considerados incisivos e, por vezes, mal vistos, para auxiliá-lo diante dessa situação delicada.
Devo dizer que no Brasil não há pena de morte, salvo nos casos de crime em tempo de guerra, que por óbvio não se trata no presente caso.
Assim, fica o questionamento, por qual razão um médico, hospital ou plano de saúde, pensa que pode forçar altas clínicas de pacientes terminais, sob o argumento de que nada mais poderia ser feito em relação a eles?
Deixando os pacientes terminais para deliberadamente para morrerem em suas casas, aplicando a essas pessoas o degradante tratamento que seria dispensado em uma pena de morte, essa conduta grave por parte de médicos, planos de saúde ou hospitais, geram consequências criminais, além de que podem gerar ao paciente e seus familiares até mesmo indenizações.
Sendo que os familiares do paciente podem realizar denúncias na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e no Conselho Regional de Medicina.
Nessa forma, o STJ entende que é indevida cláusulas e atitudes restritivas de tempo de internação, sendo certo que, se houver liberação por alta hospitalar, deverá ser assegurado o acesso a home care (cuidados hospitalares em casa) e aos medicamentos, ainda que de alto custo, necessários à garantia da dignidade humana do paciente.
No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça tem firmado o entendimento no sentido de que são abusivas cláusulas que limitem ou impeçam o acesso ao home care.
Vale lembrar que a Constituição Federal, bem como o Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, em seus artigos art. 1º, III e artigos 4º, I e III e 6º, inciso I, estabelece que a pessoa humana/consumidor tem direito à sua dignidade, saúde e segurança.
Não se esquecendo de que o prontuário médico pode ser solicitado e que o paciente possui direito às razões escritas da alta médica para demonstrar o abuso, além de que qualquer ato de abuso de direito se revela como ato ilícito nos termos do artigo 187 do Código Civil, o que se aplica aos planos de saúde, médicos e hospitais.
Por isso, te digo, são situações como essas em que cabem ações judiciais para manter a dignidade da pessoa humana e o mínimo conforto em seus últimos dias de vida, e por consequência, manter sua internação hospitalar independe das possibilidades da medicina de salvarem a vida de uma pessoa em casos terminais.
Dra. Maria Victória de Oliveira R. Nolasco
Advogada
OAB/MG 207.251
Contato: (31) 9 9431-5933
@mariavictorianolasco