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Por que sublinhamos um texto?
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Publicado em: 30/01/2014 - 19:14
As razões conscientes estão inscritas na atitude cidadã pela qual tomamos a decisão de assinalar palavras, expressões, frases ou parágrafos, porque queremos. Mas, queremos porque, ideologicamente, as transformamos em valores, ainda que para serem rejeitados, pois todo contravalor, em tese, é também um valor. E isso cai em leituras de mundo que fazemos, individualmente ou em grupos. As razões ideológicas são aquelas pelas quais sublinhamos o que nos interessa e desejamos. Isso, eu repito, porque as enxergamos como valores legítimos. Há pessoas que chegam ao extremo: leem um texto e sublinham tudo. Outras não enxergam nada de importante nele para destacar. No entanto, basta pararmos para pensar que descobriremos que valores são esses.
Vamos enumerar algumas situações que nos levam a sublinhar algo. Às vezes, marcamos a lápis ou a caneta algumas palavras, expressões ou frases, porque não a conhecemos e porque elas nos ajudam a conhecer realidades. Ou então, já as conhecemos e gostamos das ideias que veiculam. Já há momentos que grifamos exatamente as ideias das quais discordamos. Pode ser que decidimos sublinhar o que achamos ridículo ou, então, o que consideramos revelador. Pode ser que a decisão seja porque nos agrada encontrar ideias que confirmam, reforçam e legitimam o que já pensamos ou que já encontramos em outro autor. Mas, algumas vezes, destacamos em um texto, exatamente, o que nos desagrada, por contrariar nossas convicções e a forma como lemos, ideologicamente, o mundo. Há o que precisa ser destacado por nos parecer muito complexo e que não conseguimos entender e precisará ser retomado, relido. Várias vezes, então, sublinhamos algo para aprender e compreender, pois não conhecíamos, ou porque já conhecemos e queremos registrar bem os conteúdos na memória.
Por outro lado, há o que é progressista ou não agrada, ou, por não, nos desagrada. Tudo depende de nossas leituras ideológicas das realidades. Por isso, precisa ser sublinhado, da mesma forma que aquilo que é conservador, pois nos desagrada e rejeitamos. Sublinhar pode também ser ato de rejeição. Às vezes, sublinhamos algo para homenagear, às vezes, é só para desprezar o texto de alguns autores.
Há partes de textos que defendem o que defendemos outros que apoiam o que rejeitamos. E, por isso, as sublinhamos, condenando-as ao tribunal do nosso livre arbítrio. Há os autores que rompem com um conceito ou com uma ideia e legitima o que apostamos ser confiável. Por outro lado, há os autores que consideramos suspeitos e consideramos que merecem ser questionados. Sublinhar, ganha muitas vezes, o sentido de questionar algo que conflita com nossas convicções ideológicas, cujas origens nós mesmos desconhecemos.
Sublinhar texto é atitude que vai da humildade à soberba, da alegria à raiva, do diálogo à sua ruptura, da ideia de mudança à atitude reacionária, do que concilia ao que vinga, do que aceita ao que se despreza. Por isso é que assinalar um texto é decisão político-ideológica.
Sublinhamos um texto, porque dá prazer ver nos autores os comparsas que legitimam nossa leitura de mundo e nossos interesses. Alguns autores são pessoas muito confiáveis para nós e sublinhar o que eles escrevem é desejar ser tomados a sérios como os autores que lemos. Aliar-se a ideias respeitáveis é querer ser respeitado. Mas, também é execrar tudo aquilo que conflita com nossas convicções. Isso tem lado bom, mas também lado ruim.
Um texto sublinhado pode se tornar excelente documento para um psicanalista. Bastaria que ele o deitasse em um divã e, cruzando dados, nos conheceria, dessa forma, melhor do que em qualquer outra situação. São fatos para pensarmos, sem deixar de continuar sublinhando.
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